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Sobre a mesa da áspera madeira A vela que lhe faz companhia Empresta seu corpo de luz por inteira De resina e pavio apagado Morre debruçada no colo do dia.
Sobre o papel amarelo envelhecido Descansa a condoída poesia Quando cai a noite fria de improviso A pena que com pena do autor Empresta a tinta E morre esturricada de vazia.
O velho homem bem que tentou Tomar inspiração na tal tristeza A saudade da mulher que amava É o que restou Quando o sono pesava-lhe O rosto sobre a mesa.
Ao dormir no crepúsculo da noite fatídica A vela se apagou junto à poesia Talvez em sonho a realidade verídica Daquele velho homem Extraia toda a dor Como da pena que vazou a tinta.
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Poeta
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Dizes querida donzela Se tu moras na favela Tão quieta e tão bela De ruas tão nuas De noites escuras De humildes alparcas De mesas tão fartas Dizes-me donzela Se tu vens da favela.
Dizes amante donzela Quando vens da favela Tão bela e tão discriminada De beleza assaltada Jóia feia na vitrine da cidade Rara escola de futebol De meninos sem vaidade Como presos de uma cela Realidade bruta da favela.
Dizes hó linda donzela Se tu moras na favela Dos tímidos quintais Das notícias nos jornais Não te envergonhe menina Das moradas da tua sina Ainda tens uma janela Em tua favela que é tão bela.
Dizes o porquê donzela Que tu vens da favela De um bairro da periferia Tão pacata e tão fria Da vizinhança corriqueira Do feijão queimado Na casa da fofoqueira Não te quero donzela Longe da beleza da favela.
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Poeta
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Nua eu te decorei No quadro da minha concupiscência Assim inconseqüente sem conseqüência Eu te furtei na vaidade da minha alma;
Tua imagem tão selvagem Na pintura insaciada Explorada na estupidez dos meus dedos Que estiveram perdidas na insensatez do desejo;
Eu te pintei Como quem pinta arrogante Na irresponsabilidade dos amantes O delírio de uma imaginação coadjuvante;
Eu te decorei Como profissional apaixonado Eu te desejei Como um carnal assim tão fraco;
Nua eu te possui Na utopia ignorante da pintura Sobre o olhar atento da Hipocrisia dos meus olhos; Que não tardaram em julgar A displicência do teu corpo.
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Poeta
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Gesimara; Meio que na marra Contou-me segredo Que anda descalça Meia que com medo Meia que sem graça Por que tem pé feio.
Gesimara; Virgem Maria dos céus! Este que são pés teus Não há quem veja E que não perceba E que não duvide Ser obra de Deus.
Gesimara, Meio que na farra Quase me escondeu Chinelo de dedo De rosa vermelho Que se escafedeu, A que mal te pergunte A alguém que curte Estes pés teus.
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Poeta
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Que saudades da velha estação Da locomotiva que trilhava a ferrovia Patrimônio histórico que a muito não se via Estação antiga de Rocha leão.
Quando ainda gatinhava à vontade de trilhar Nasceu por mão de obra de escravos Estrume de boi misturado com os barros Em rio das ostras ela veio inaugurar.
Com teto de telhas francesas De marseille era a velha estação Desde 1887, não se via tamanha beleza.
Os tempos modernos destruíram a velha estação O coração da velha locomotiva parou Não batem mais nos trilhos de Rocha Leão.
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Poeta
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Coração é terra que ninguém anda É órgão que inflama que reclama... Desiludido pelo sentimento que engana Coração partido de saudade leviana.
Coração é traído pelo desejo Manipulado pelo beijo, subordinado pelo seio... Ludibriado pela malícia do meu pensamento Funeral sem cortejo, fome sem sustento.
Coração é esculpido pelas mãos do destino É imagem perplexa do desatino Criança sem face, odre de vinho envelhecido... No espelho do passado reflexo irrefletido.
Coração é valente nas batidas do peito Estação de folhas secas carregadas pelo vento Coração é covarde amedrontado pelo medo É inverno sem saudade céu nublado e cinzento.
Coração é lápide de mármore, histórias frias Que pulsa dentro ao peito, nas batidas pela vida... Estranho pergaminho, de palavras escondidas Do engenheiro lá do céu, a mais pura obra prima.
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Poeta
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Tuas mãos me acolhem No teu peito que é traidor Tuas palavras impuras Contaminam meus sentimentos;
Como um pombo ferido Lanço-me em teus braços Em busca da cura Em busca de abrigo;
Acalentas-me do inverno que é duro Tomas-me em falsos desejos Quando renasço em amor e sussurros Quando me matas No veneno dos teus beijos;
Venho a dormir De uma noite cansada Uma noite fria Sem vida e sem cor Sonhando acordar Nos seios da amada Que me acolhes em teu peito Que é traidor.
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Poeta
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Penso aqui com meus botões Mas... Será que eles pensam comigo?
Presos a uma camisa imprestável Eu também preso Em um amor que não é meu; Roxo-lilás de um batom Vertical nos lábios de alguém Furtaram-me vários dias;
O batom bem sabe Não existe mais Porém das marcas Jamais pude me livrar;
De que me serve a camisa Se até os botões já se foram; Eles nem sequer pensavam Eu pelo menos penso e padeço Por um lilás, que um lenço... Mesmo que pequeno Carrega as marcas De um crime imperfeito;
Ás vezes se perde na vida Muito por não pensar, Ás vezes por pensar demais Perdem-se os botões da camisa E do batom um roxo-lilás.
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Poeta
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Viva o quê é o amor, viva uma fotografia... Não brigue com sua garota Nem de noite nem de dia.
O tempo passa tão depressa Logo no deserto haverá flores Mostre a ela à terra do seu coração O tempo não espera por arrependimentos.
Viva o agora, viva o presente... A garota é sua meu amigo Como é hoje, como será sempre.
Não procure atalho em outras bocas Outro sorriso pode não ser o bastante Mostre a ela à terra do seu coração O tempo não espera por arrependimentos.
Viva o quê é bom, leve a no cinema... Não brigue com a sua garota Não vale a pena.
O tempo passa tão depressa Logo no deserto haverá flores Mostre a ela à terra do seu coração O tempo não espera por arrependimentos.
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Poeta
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Meu amor... Há um lago de fogo no meu olhar Arde como um corpo sedento de desejar Abrace-o sem medo de se queimar,
Meu amor... É doce como o mel o meu desejar Mata como a cobra e adoece em febre o seu picar Venha minuciosamente... Venha transar;
Meu amor o tempo não espera, parece parar Mostra-me em soluços o teu duvidar Faço-te mulher... Por hora nos embriagar;
Veja como é profunda, a dor a cicatrizar Meu amor sinta o meu pulso a pulsar A fogueira que se transforma em cinza a se apagar;
O vitupério sínico transparente no meu pensar Venha meu amor ainda é tempo de nos flagelar Rasgar as vestes da nudez vulgar;
Meu amor... É doce e quente este meu convidar É a vida em morte que passa sem você notar É a morte em vida que um dia irás provar;
Meu amor... O pecado que me atrai é que me faz deitar E o perdão por traí-la, futilmente suplicar;
Entenda que a solidão é um martírio pra quem quer amar É um álibi que liberta da prisão um coração que quer se enganar.
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Poeta
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