Atenas
Não falo francês,
não xingo em alemão,
não passei um fim-de-semana em Havana,
não nasci com parentes no México,
não tenho o tango,
não tenho o flamenco,
não sou uma estátua na Rússia,
não comi uma romena,
não passei o inverno na Virgínia,
não tenho saudades de Varsóvia,
não pernoitei em Dublin,
não almocei em Kingston,
não sofri um acidente no Paquistão,
não peguei um ônibus na Arábia,
não desenhei a China,
não chovi nas ilhas Maldivas,
não pisei no vulcão Vesúvio,
não acendi uma vela em Mônaco,
não tive uma crise de riso em Bogotá,
não construí uma casa em Florença,
não pintei uma tela em Veneza,
não velejei na baía de Aramã,
não voei nos céus de Rabat,
não conheço ninguém nascido na Hungria,
não peguei um trem em Moçambique,
não entrei num elevador em Barcelona,
não discuti em Ruanda,
não fumei um cigarro em Estocolmo,
não hasteei uma bandeira no Monte Sinai,
não peguei um resfriado em Montreal,
não meditei em Nova Deli,
não sei falar tibetano,
não voei de balão em Melbourne,
não roubei relíquias do Cairo,
não sei o esporte favorito dos sul-coreanos,
não tenho a menor ideia de que língua falam na Sumatra,
não sei qual a cor do Mar Vermelho,
não bebi água do Oceano Índico,
não sei onde te perdi,
mas te encontrei no Rio de Janeiro.
guria, guria
Ai, quem me dera...
um flagrante
de poesia.
Ai, quem me dera,
ter todo dia...
Um flagrante
de todo dia,
ai quem me dera,
ter poesia.
Então eu veria
que toda alegria
vem na angústia
de mais um dia.
Na minha folia
você se fazia
montada na poeira
de mais um dia.
Guria, guria,
que na rua sumia
e na praia morria.
Guria, guria.
Digo eu
Prá quem quer água, sobra mar
Prá quem quer ar, sobra vento
Prá quem quer fogo, sobra sol
Prá quem quer terra, sobra chão
Prá quer quem tenha sido,
digo não!
Disse não, eu?
Digo, coração
Que sobra, que terrena, que aguara, que ventania, que fogaréu.
Acaso
Antes era um livro fechado,
Um telefone desligado
Agora é vento na árvore
Varrendo toda a ilusão
Dos olhos acostumados.
É poema perdido,
Lançado ao mar
Como a tarrafa
Que vai sem saber,
Que recolhe o ouro do mar.
Preocupação não há
Os peixes hão de vir
Caminham cegos
Ao seu destino quiçá
Que não sabem.
E cumprem seu papel,
Como os papéis do livro fechado,
Na ânsia de serem lidos e entendidos,
Nem que seja por uma tarrafa
Lançada sem saber.
Terra de poeta
O violão transmite o som das árvores
a folha transmite a poesia das árvores
a poesia transmite o vento do pensamento
que as árvores sentem e desfolham em segredos
o pensamento, a árvore, o vento e a poesia
que são e serão eternos cúmplices.
Poesia e música são instrumentos divinos
no qual percebemos que realmente sentimos
uma lira, um olhar por todos nós
que abraça, que sonha, que nos larga e volta
Vê se está tudo bem por aqui
se a casa nos ofertada virou um sítio ou um hospício
com belas flores ou pavorosos loucos
que entretêm nossos olhos com simples sonhos
mas que são breves e poucos.
Terra dos que já se cansaram da voz
dos que esperam meticulosamente a sua vez
dos que sabem do tempo e por isso choram
ao lembrar que os mesmos olhos que choram
um dia, não terão mais olhos, não terão mais choro
e a vela dessa ilusão será desfeita pelo tempo
ao mesmo tempo em que uma flor nascerá
na alta montanha, no sombrio relento
desmentindo a própria lei de ter braços e querer voar.
do que resta
Quem sabe lidar com o silêncio
Faz dele uma casa
Quem não sabe
Faz dele um fantasma
Quem sabe lidar com o canto
Faz dele uma relíquia
Quem não sabe
Faz dele uma súplica
Quem sabe chorar ao pé de um violão
Faz dele um eterno amigo
Quem não sabe
Faz dele um ríspido sofrido
Quem sabe lidar com o coração
Faz dele um eterno cúmplice
Quem não sabe
Faz dele uma enferma oração