Vida simples
A alegria almejada
Sempre esteve à minha volta
Meu pai descansava a enxada
E mãe descascava abóboras
Doce à espera sobre a mesa
Para nós algo tão nobre
Café passado na hora
No alvo coador de pano
Exalava o fino aroma
Da paz guardando oceanos
A noite vigiava estrelas
Dormir cedo sobre o manto
Da simplicidade
Ah, esse arrabalde do encanto!
Das cicatrizes
A cicatriz que hoje ostento
não traduz derrotas
perseguições ou flagelos
tampouco árduo trajeto.
Somos o que pensamos ser
mundanos e pequenos
glorificando nossos feitos
grandiosos anônimos
com vertigens, derrotas, medos...
A cicatriz que hoje ostento
eu a fabriquei
com a minha imaturidade
(às vezes arrogância e vaidade)
inconsciente ou não
impregnou minha pele
ratifica o meu passado.
Quereis agora que num átimo
do trem descarrilado recolha
originais intactos?
A cicatriz que hoje ostento
é poema que tornei público
repousando em calmas águas.
Haikai
O solo repleto
de folhagens, vãs esperas...
a noite me observa
O menino que comia borrachas
No meu tempo de escola primária
(não sei como denominam hoje)
Havia em minha turma
Um menino que comia borrachas.
Sim, borrachas
Esses pequenos artefatos
Críticos severos aos lápis.
A ingestão acontecia sempre
Durante as aulas
E era, para nós, estranho
Vê-lo, nos intervalos,
A digerir, solitário,
O banquete antecipado.
Apenas muito tempo depois
Vim a entender a sapiência do seu ato:
Apagava, prematuramente, da sua vida
As vindouras e previsíveis nevascas.